terça-feira, fevereiro 15, 2005

Dois Remates à Barra

No espaço de uma semana, duas manchetes do jornal "Público" foram desmentidas pelos implicados. Naturalmente, a mera publicação de um desmentido não significa que as notícias estariam erradas, mas convenhamos que não é um bom sinal – sobretudo quando os implicados negam ponto por ponto a matéria de facto.
Caso 1: No início da semana, o jornal referia que Cavaco Silva apostava numa maioria absoluta do Partido Socialista. Perante o facto político que agitou as águas no seu partido e na oposição, o ex-primeiro-ministro foi forçado a desmentir a manchete que nunca concedera. Apropriadamente – e cumprindo a lei – o "Público" pediu desculpa na capa. Admitiu que Cavaco Silva não se pronunciou e que a manchete era uma extrapolação exagerada de contactos com fontes e de informações de "background". Por outras palavras, até é possível que Cavaco Silva acredite (ou mesmo deseje) uma maioria absoluta do PS. Simplesmente, nunca "apostou" publicamente nela. E esse pequeno pormenor faz toda a diferença.
Caso 2: No domingo, o jornal avançou com um "ranking" dos principais devedores do futebol português. No próprio dia, o primeiro e o terceiro clube da lista apressaram-se a desmentir a notícia e a mostrar certidões emitidas pela Segurança Social comprovativas do passivo aparentemente saldado.
Hoje mesmo, novamente em manchete, o jornal vem clarificar o que então escreveu: as dívidas até podem existir, mas, como o ministro Pina Moura emitiu um despacho permitindo a inscrição dos clubes e as repartições de finanças emitiram declarações de situação contributiva regularizada, o Estado terá mais dificuldade em cobrar. Por outras palavras, a dívida não parece ter sido saldada, mas é bem provável que nunca venha a ser, pelo que a notícia não era totalmente verídica.

Erros como estes podem acontecer todos os dias a quem lida com informação sensível. Todavia, no intervalo de uma campanha eleitoral, cada erro é potenciado, e cada facto político torna-se um gigantesco tsunami de proporções difíceis de controlar. Dois exemplos muito concretos:
1) Reagindo a quente à aparente "aposta" de Cavaco Silva no PS, Luís Filipe Menezes e Alberto João Jardim atacaram veementemente o ex-primeiro-ministro. Gostava de saber quão patetas se sentiram no dia em que o político algarvio desmentiu a notícia!
2) Clubes cotados em bolsa são necessariamente afectados por notícias reveladoras da sua insolvência. As cotações das duas Sociedades Desportivas citadas desvalorizaram na segunda-feira passada. Quem paga o prejuízo se a notícia estiver incompleta, como parece ter estado?

Ao expor os erros do "Público", não belisco o estatuto privilegiado do jornal na sociedade civil portuguesa – estatuto esse conquistado ao longo de muitas primeiras páginas e de muitas manchetes. Mas esta nota serve para lembrar que basta uma edição para quebrar a relação de confiança entre os leitores de um jornal ou revista. Como se volta a confiar em quem já nos enganou?

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