segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Não Mexer, Não Dobrar, Não Esticar! (Parte 1)

«Não Mexer, Não Esticar, Não Dobrar! Sou um Ser Humano!»

Recordam-se destas palavras de ordem do movimento hippy norte-americano?
Ocorrem-me hoje, à medida que as águas vão acalmando depois da noite eleitoral. Nos próximos dias, parece-me fundamental quantificar o que não foi feito, o que é legado e sobretudo o que não deve ser perturbado.
Naturalmente, um governo que entra em funções terá legitimidade para intervir em todas as matérias de policy, mas seria absurdo que a nova maioria que tomará posse no próximo mês de Março procedesse à metódica terraplenagem de todos os instrumentos de governação entretanto levantados.
Até à tomada de posse do próximo governo, subordinarei ao título em epígrafe algumas notas sobre actos de governação ambiental desenvolvidos durante a legislatura que ora finda e que, em alguns casos, deveriam valer como alicerces do edifício. Começo hoje esse esforço com uma avaliação dos instrumentos de combate às alterações climáticas.
Entre a comunidade ambientalista, o Plano Nacional para as Alterações Climáticas foi recebido com algum cepticismo. Creio que resumo os blocos de críticas se apontar as seguintes objecções:
a) O PNAC não penaliza devidamente os combustíveis fósseis (embora admita programaticamente uma taxa sobre o carbono)
b) O governo não fez esforço algum para sensibilizar a população a reduzir o consumo de electricidade e combustíveis
c) O cálculo de referência para o aumento de emissões até 2006 é extremamente conservador, o que permite candidamente que Portugal vá ultrapassando o tecto anual permitido.
d) Deveria ter sido promovido um amplo trabalho de sensibilização pública, capaz de informar os portugueses das pesadas multas que o país terá de pagar depois de 2012. Quantos conhecerão o encargo que o país arcará a partir de então?
e) A pressão que deveria ter sido exercida sobre a indústria foi amolecida sob o argumento (verídico) de que colocar mais entraves à produção industrial num cenário de recessão provocaria ainda mais desequilíbrios. Mas forçosamente a indústria não aproveitou este período de purgatório até 2012 para se adaptar às exigências.
f) Os impulsos fiscais às energias renováveis não passaram ainda de projecto.

Perante este bloco de críticas (algumas justas, outras nem por isso), será o PNAC um instrumento inútil? Na minha modesta opinião, o PNAC foi a forma possível de começar a trablhar (tarde e a más horas) nesta área. A transposição da directiva comunitária para a legislação portuguesa foi um passo essencial e, convém não esquecê-lo, vários parceiros da União Europeia ainda não o fizeram! Importa desmistificar: não se impõem quotas sem instrumentos programáticos. Não se desenvolvem políticas e medidas sem um quadro programático de fundo, que coordene o processo (mesmo que, de 2002 a 2004, a coordenação tenha ficado a cargo do inenarrável José Eduardo Martins - o que é quase uma contradição de termos!).
Os ambientalistas reagiram com dureza essencialmente porque o PNAC e sobretudo o PNALE (Plano Nacional de Alocação de Emissões) poderiam ter sido mais ousados e até mais transparentes. Também o creio! Mas um passo em frente, mesmo que curto, é um passo em frente.
Membros do governo queixaram-se em demasia de má imprensa e de falta de eco para algumas políticas e medidas entretanto desenvolvidas. No caso dos mecanismos de mitigação das alterações climáticas entretanto implementados, creio que de facto a avaliação mediática do processo não foi inteiramente justa. Durante largas semanas, resumiu-se a intervenção portuguesa ao PNAC e às suas limitações. Pontualmente, foi lembrada a participação portuguesa no comércio de emissões - mas a óptica de análise chegou a ser opaca. Na minha opinião, a lacuna mais grosseira acabou por ser o esquecimento de uma curiosa iniciativa de aproveitamento dos mecanismos de flexibilidade previstos pelo Protocolo de Quioto e atribuídos aos países e empresas capazes de executar ou financiar projectos "limpos" noutros pontos do globo. O princípio de acordo obtido com o potencial mercado da América Latina deveria ter sido mais destacado. O Ministério do Ambiente defendeu que essa poderia ter sido uma ferramenta útil para financiar o anunciado Fundo do Carbono Português. Silêncio total nos media. Essa funcionalidade está prevista no Protocolo e Portugal lançou as bases para o seu aproveitamento. A notícia não valeria duas linhas?
Um último remoque: o Ministério do Ambiente admitiu que o PNAC tinha limitações (propositadas?) e aprovou um sistema de garantia e controlo da qualidade dos inventários nacionais de gases com efeito de estufa. Embora os ambientalistas suspeitem que os dados do controlo de qualidade nunca seriam publicados (um lamento pertinente), o próximo governo contará também com este instrumento técnico.
Recuperando a mensagem do "post" - que antecipo polémico -, afigura-se-me impensável que o próximo governo abandone as ferramentas entretanto criadas no campo do combate às alterações climáticas. Não acrescentar mais nada quando 2012 está à porta seria um acto irreflectido! Revogar o que foi feito neste domínio seria um acto criminoso.

Sem comentários: