quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Património da Humanidade... porquê?

Ponta Delgada (2 de Fevereiro) - Admito que a premissa é polémica, mas creio que o fenómeno de classificação de património da humanidade se vulgarizou e, por isso, perdeu parcialmente o crédito. Em Portugal, há treze monumentos, locais ou regiões já classificados pela UNESCO. Todos os anos, há pontapé de meia noite entre autarcas, governo central, organizações não governamentais e outros grupos para decidir qual a nova candidatura nacional a este estauto. Isto porque países como o nosso, já beneficiados largamente pelos favores da UNESCO, já só podem apresentar uma candidatura anual.
Por motivos profissionais, acompanhei de perto o processo de candidatura da paisagem vinhateira da ilha do Pico e devo começar por dizer que nada me move contra este ícone picaroto. Admito que os maroiços são fantásticas estruturas de pedra, erigidas à custa de força de braços (e provavelmente de muita chicotada) e valem como testemunho da capacidade de domesticação da paisagem. Reconheço também que o responsável pelo «dossier», o arquitecto Nuno Lopes, é porventura a pessoa que melhor compreende em Portugal o funcionamento da UNESCO, as suas exigências, os seus parâmetros. Quando o Governo Regional o recrutou, Nuno Lopes tinha no peito as medalhas de honra recolhidas pela fantástica operação que foi a gestão e transformação do centro histórico de Évora, também ele património da Humanidade.
As minhas críticas dirigem-se muito mais para a utilidade e oportunidade da classificação. Há cerca de dois anos, em pleno centro de Madalena, escutei quase todos os transeuntes dizerem o mesmo: «A candidatura, se aprovada, vai prejudicar-nos. Não via trazer turismo, nem vai gerar apoio financeiro. Vai simplesmente classificar áreas e terrenos, nos quais não poderemos mexer mais!»
É irónico que seja este o pulsar popular. Sabe-se que a UNESCO não concede (e faz muito bem) apoio financeiro directo aos locais protegidos. Ao invés, a organização estabelece critérios, vistoria os locais e concede esta aparente mais-valia turística que é a classificação universal. Duvido seriamente queo Pico já tenha tido, ou venha a ter, impactes directos em virtude da classificação. Ela não é suficientemente apelativa para justificar as hordas de turistas. E, se me permitem uma opinião pessoal, também não é isso que salvaria a frágil economia do Pico, cada vez mais despovoado, cada vez mais envelhecido, cada vez mais esquecido.
Por outro lado, custa-me também a aceitar a oportunidade destas classificações. No ano passado, um congressista queniano queixava-se de que mais de 70% do património protegido se encontrava nos Estados Unidos, na Europa ocidental, na Oceânia e no Japão/Coreia. Que imoralidade é esta? Pela própria perversão do sistema de votação, os países mais «industrializados» acabam por aceitar as candidaturas dos parceiros e negam o apoio técnico - muito mais necessário - a África, a Ásia e à América do Sul.
Há alguns anos, a situação inverteu-se ao ponto de as votações actuais serem decididas de forma muito mais internacional (em oposição a europeísta). Em virtude disso, confesso que sempre vaticinei um futuro negro para a candidatura do Pico. Não estava sozinho nesse receio: um responsável português do gabinete local da UNESCO assegurou-me dias antes que o Pico perderia o processo (felizmente, não publiquei o aparente exclusivo!?!) Que mérito especial tinha a paisagem vinhateira sobre um pedaço de savana sul-africana ou uma floresta tropical gabonesa? Por que motivo a lista de locais classificados (quase 800) apresenta uma clara predominância de paisagens culturais (com traço humano) sobre as paisagens naturais? Atrevo-me a dizer que tal discrepância se deve apenas ao facto de as primeiras predominarem no «mundo civilizado», ao contrário do «mundo bárbaro»!
Com esta longa introdução, não quero deixar de mencionar que, à primeira vista, o Pico não mostra nada hoje que não tivesse há dez anos. A actividade turística divide-se hoje entre as escaladas e caminhadas e o famoso «whale watching». Ao que me dizem, a gruta das Torres, impressionante cavidade vulcânica que já visitei, estará também aberta ao público durante 2005. Estas, sim, são as oportunidaes turísticas da ilha do Pico. O resto, desculpem que o diga, é... paisagem!

2 comentários:

Anónimo disse...

O Lagido e o Terras de Lava estavam bons? :)
Octávio Lima

Gonçalo Pereira disse...

Trabalho é trabalho! Nem uma gota. E posso fazer o teste do balão para comprová-lo!?! (risos)