quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Quem Espera Sempre Alcança

(Açores, 3 de Fevereiro) O vulcanismo açoriano merece ser apreciado e estudado. Passada a fase do medo respeitoso e da superstição, urge integrar os vulcões do arquipélago na sua dimensão real, aceitando-os, desmitificando-os e, claro está, protegendo-os.
Ora, por solicitação do Governo Regional, datada já de 1998, um grupo de investigadores terminou há não muito tempo o trabalho hercúleo de inventariação das grutas açorianas. Ao longo de sete anos de trabalho, foram identificadas mais de duas centenas e meia de cavidades vulcânicas (metade das quais concentradas na fantástica ilha do Pico). Ironicamente, até Janeiro deste ano, apenas três estavam classificadas e protegidas regionalmente (juntamente com a pedreira do Campo, em Santa Maria)
- O algar do Carvão, na Terceira, é uma estrutura grandiosa, trabalhada e melhorada à mão e que impressiona o visitante, reduzindo-o a uma escala ínfima;
- A gruta das Torres, no Pico, é um prolongado túnel, quase lúgubre, que mantém o traçado original no seu estado quase prístino e que garante ao turista a sensação perturbadora de percorrer o mesmo caminho que a lava já trilhou em direcção ao mar. Sem interferências, nem efeitos cénicos;
- A furna do Enxofre, na Graciosa, única no mundo, apresenta o dramatismo próprio de uma estrutura que pode matar o visitante (devido às emanações gasosas), mas que vale muito mais do que o folclore dramático dessa raridade.
Até ao ano passado, repito, estas eram as grutas classificadas de um leque de duas centenas e meia. Durante anos, investigadores e ONG solicitaram a classificação da gruta do Carvão, em São Miguel, uma estrutura de três túneis lávicos, que viaja por baixo de Ponta Delgada (imaginem uma gruta subterrânea, com acesso urbano!) e que tem a particularidade de contar também parte da história da colonização.
Alguns trechos foram utilizados como adega; outros foram bloqueados por sedimentos, por desmoronamentos e por construções humanas. Sabe-se, pelas crónicas de Gaspar Frutuoso, no século XVI, que a gruta chegaria ao mar, pelo que se estimam que os 1.600m já identificados correspondam apenas a um terço da dimensão real.
Em meados de Janeiro deste ano, um dos três túneis foi finalmente classificado pela secretaria regional do Ambiente. Durante anos esquecida e vandalizada (o lixo acumulado numa das entradas é uma vergonha para a cidade e para o arquipélago), a gruta do Carvão foi agora classificada pela mão da nova secretária regional, Ana Paula Lopes (curiosamente, uma dirigente política com passado ambientalista). Há portanto mais um geomonumento regional nos Açores que merece uma visita, mas a lentidão do processo e os anticorpos que o travaram durante décadas merecem alguma reflexão.
Como o poeta Wallace Stevens escreveu, "Depois do 'não' final, vem sempre um 'sim'. E é desse 'sim' que o futuro do mundo depende!"
Uma lição para outras lutas ambientalistas: vale sempre a pena esperar pelo "sim" que pode ficar no fundo de uma longa lista de "nãos".

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