quarta-feira, outubro 30, 2013

Mamonas falsas, mamonas reais


Às vezes, a realidade supera a ficção.
Anteontem, Fernando Tempera, biólogo do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, publicou um texto bem humorado, na página interna do departamento, gozando com a avidez com que andamos – "nós", os media, o público e até as personalidades da ciência – a tentar encontrar sentido nas formações geológicas do fundo do mar. Desde a omnipresente Atlântida a desenhos alienígenas, a batimetria tem servido para alimentar todo o tipo de loucuras, infelizmente difundidas pelos meios de comunicação.
O texto do Fernando Tempera era este e parecem-me evidentes o sarcasmo, a ironia, o tom ligeiro. O texto circulou rapidamente pelas redes sociais ligadas à arqueologia.


Pelos vistos, não era evidente para todos. Na edição de 29 de Outubro do "Correio dos Açores", a informação foi tratada jornalisticamente. E as "mamonas" do fundo do mar, produto da imaginação do Fernando, transformaram-se em mamonas reais, com direito a duas colunas num periódico respeitável.

Lá vamos, cantando e rindo.

terça-feira, outubro 29, 2013

Manual humorístico para nos apresentar propostas editoriais


(em actualização contínua)

- Não comece a abordagem alegando que os seus textos, as suas fotografias ou as suas ilustrações são muito melhores do que as que têm vindo a ser publicadas. Como reza o ditado polaco, não convém insultar os deuses do rio antes de o ter atravessado.

- Não comece a abordagem revelando que não leu a publicação à qual está a oferecer os seus préstimos. Este é um caso em que a honestidade não joga a seu favor, independentemente do que a sua mãe lhe tiver dito sobre o tema.

- Não proponha temas demasiado abertos (i.e., “Gostava de propor uma reportagem sobre astronomia”), nem demasiado fechados (i.e., “Gostava de propor um texto sobre a relação da chuva de Perseidas com a orientação dos monumentos megalíticos de Ferreira do Alentejo”).

- Não vale a pena propor uma expedição para descobrir as ruínas de Atlântida, que identificou através do Google Earth. Será o décimo proponente desta semana e a história já está tomada!

- Se a sua proposta inclui uma expedição de dois meses, de barco, burro e caminhada, com vinte carregadores e mantimentos abundantes, baseada num mapa amarelecido que descobriu no baú de uma tia velha, dê-nos um pouco de crédito. Somos crédulos, mas NÃO tão crédulos!

- Não se incomode se a sua proposta procura relacionar ruínas maias com profecias do fim do mundo. Caso não tenha reparado, somos uma revista de ciência.

- Se descobriu recentemente um código críptico num texto religioso do século II e pretende dá-lo a conhecer ao mundo através da nossa publicação, leia por favor o passo anterior.

- Não vale a pena propor uma reportagem de quinze dias na Polinésia Francesa disfarçada de investigação sócio-cultural sobre os povos do Pacífico. Tentámos a mesma abordagem quando entrámos para a revista...

- E, sobretudo, tenha paciência connosco. Somos poucos, gostamos do que fazemos, mas nem sempre podemos responder atempadamente a todas as solicitações.

sexta-feira, outubro 11, 2013

As duas vidas do achado arqueológico




Entre as ciências às quais a revista está umbilicalmente ligada, a arqueologia é provavelmente a mais difícil de representar. Ciência de campo, feita de repetição sistemática em contextos frequentemente similares, exige dos leigos forte capacidade de imaginação. Onde o olho destreinado vê ruínas, rochas ou artefactos inofensivos, o olho clínico apercebe-se de estruturas, imagina construções e adivinha funcionalidades.
Não tenho receio de reconhecer que é cada vez mais difícil produzir notícias ou reportagens sobre temas arqueológicos – pelo menos nesta revista. O jornalismo vive de emoção, de novidade, de conclusões absolutas. E, sobretudo, o leitor moderno cansa-se com mais rapidez. Enfada-se com aquilo que lhe parece uma repetição da receita anterior. Grande parte do esforço passa por isso por transformar os achados visualmente insípidos (mas obviamente com valor científico, que nunca está em causa) em representações vívidas. Está fora de questão duplicar fotografias estafadas de campo, repetindo a actividade metódica de escavação, peneiragem, desenho, mais escavação. Publicámos seguramente mais de uma centena de imagens nesse registo ao longo dos doze anos da história da revista. Já não chega!
Por outro lado, a arqueologia precisa de tempo, de reflexão. É rara a descoberta cujas consequências se materializam imediatamente, enquanto os arqueólogos estão no campo. Na maioria dos casos, é já no conforto do laboratório que as descobertas se confirmam, os achados são comparados e as conclusões podem ser afinadas com mais precisão. O que também significa que o trabalho de fotojornalismo neste campo foi passando da escavação para o laboratório, da terra e da poeira para as estantes desarrumadas (sem ofensa!) dos centros de arqueologia. Do ponto de vista da narrativa visual, torna-se ainda pior. Como os paramédicos, somos chamados em cima da hora ou quando já é tarde de mais.
No campo concreto da arqueologia, temos chegado à conclusão que a melhor solução de representação passa pela reconstituição – sempre que o tema o permite, bem-entendido. Partimos do artefacto, do osso, da ruína para a extrapolação da actividade, da morfologia ou da arquitectura. Fazemo-lo com um grau considerável de especulação e essa condição deve ser tornada clara no registo final. E dependemos – hoje como dantes – da colaboração com o arqueólogo, que tira teimas com frequência, emenda, corrige, sugere. O controlo artístico é obviamente nosso, mas viajamos sobre os carris construídos pelo perito. Não entendo outra forma de trabalhar neste contexto.
Nos últimos cinco meses, o arqueólogo António Carlos Valera, da ERA Arqueologia, teve paciência de Job para contribuir para a ilustração do auroque que publicamos na edição de Outubro. Sob os seus conselhos (expressos sempre com bonomia e espírito construtivo), avançámos dos esboços preliminares e descuidados para a arte final. Discutimos dezenas de pormenores, desde a orografia ao clima, desde a posição dos seres humanos face ao animal à proporção entre figuras. O resultado final fica expresso neste vídeo simples.
Serei o primeiro a reconhecer que entre a fotografia do achado e a sua reconstituição medeia agora uma dose maior de interpretação. Concedo o ponto. Mas também creio que muito mais pessoas leram a história porque esbarraram com a ilustração, na revista ou nas redes sociais, e quiseram saber mais.
A minha caixa de correio cheia é um testemunho concreto.

quinta-feira, outubro 10, 2013

Livros velhos ("Os Fragmentos", Ferreira de Castro)


Os livros velhos têm vida própria. Melhor: têm vidas, várias, correspondentes aos seus múltiplos proprietários. Gente que os leu (ou não leu), que os possuiu, que os arrumou em estantes. Uns mantêm roupagens impolutas – a capa sem fracturas, as páginas imaculadas. Gosto mais dos outros. Dos que manifestamente foram lidos. Marcados. Sublinhados, às vezes. Manchados pela avidez de seguir de página em página, com pouco respeito por quem os lerá de seguida.
Às vezes, no solitário mundo dos alfarrabistas, descobrem-se pequenos tesouros, quase saídos de um conto de Borges. São pequenos testemunhos de apreço. Uma dedicatória a gente que já partiu; um comentário anotado à margem; um vestígio do proprietário transitório que já se esfumou.
Aconteceu-me hoje. Na Livraria Pó dos Livros, última esperança dos lisboetas que pretendem encontrar obras caídas em desuso, comprei o apetecido “Os Fragmentos” de Ferreira de Castro, edição da Guimarães & C., com capa magnífica de João Abel Manta. No interior, sem motivo aparente, alguém guardou um recorte de jornal, do “Diário Popular”, também ele já uma recordação distante. Foi geometricamente dobrado em oito. Conan Doyle veria nisso um indício de uma personalidade meticulosa. Na página amarelecida, lê-se uma reportagem de Daniel Rodrigues, de 11 de Julho de 1987, sobre a Casa-Museu Ferreira de Castro. No verso, há anúncios a marcas que já não existem e a produtos risíveis que já não usamos.
Não tenho qualquer pista sobre o dono, ou antigos donos, deste volume. Não sei quem foram, nem de onde eram. Percebo que devoraram avidamente o livro, mas pouco mais sei. Porque teriam guardado este recorte, esta página, esta edição em particular do “Diário Popular”? O desconhecimento tortura-me.




Dia 29 de Outubro, Universidade Nova de Lisboa


Apareçam!

quinta-feira, outubro 03, 2013

Ilustração científica em Aveiro



Este ano, voltarei a andar por aqui, participando com muito gosto no mestrado de ilustração científica da Universidade de Aveiro, em colaboração com o ilustrador Fernando Correia e restante departamento.

Bons desenhos!