quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Nos calores do Fogo


 Uma definição operacional de loucura costuma ser a repetição da mesma acção e esperar um resultado completamente diferente. No caso de alguns fotógrafos que trabalham connosco, a definição precisa de um retoque. Para muitos destes profissionais, a loucura passa por mover montanhas para conseguir chegar a locais que a maioria dos mortais preferia evitar. Foi o caso recente do Pedro Narra.
A 23 de Novembro, o vulcão do Fogo, em Cabo Verde, despertou novamente, 19 anos depois da última grande manifestação. Havia sinais desde a Primavera de que isso poderia acontecer e, na última semana de Novembro, o gigante rochoso mostrou mesmo as entranhas. Para muitas pessoas, incluindo as comunidades locais, isso implicava bater em retirada; para o Pedro, então em serviço para a revista na Guiné-Bissau, a erupção funcionou como as bombas-relógios nos filmes de Hollywood: era fundamental bater o cronómetro e chegar à ilha do Fogo antes do fim da contagem, que é como quem diz antes do final da fase mais espectacular da actividade eruptiva.
De avião, de ferry e de jipe, Pedro Narra chegou ao Fogo quatro dias depois. Levava apenas uma mochila, alguns mapas e o equipamento fotográfico básico.
Esforço-me por repetir que a maior parte das reportagens da revista implica planeamento, leituras preparatórias, contactos exploratórios – numa frase, a rotinização do inesperado. Infelizmente, os vulcões não avisam (ou, se avisam, fazem-no com alertas suficientemente ambíguos), invalidando respostas mais rápidas da protecção civil, dos fotógrafos ou do fenómeno recente dos volcano watchers, que pagam o que for preciso para assistir in loco à fúria da natureza.
Por isso, na noite de 27 de Novembro, o fotógrafo viu-se nas imediações da fonte eruptiva, sozinho, quase às escuras, usando a audição para se orientar. Parece o guião de um reality show, mas foi, na essência, uma aventura genuína.
O resultado do trabalho de campo pode ser apreciado na revista de Março e, daqui a algumas semanas, no nosso site de Internet. Seis décadas e meia depois de um esforço semelhante do geógrafo Orlando Ribeiro para chegar ao Fogo a tempo de presenciar a erupção do vulcão, a revista orgulha-se de apresentar nas suas páginas… o Fogo do Fogo – um trabalho que se deve exclusivamente à loucura saudável de um excelente repórter fotográfico.

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